sexta-feira, 1 de agosto de 2008

AGOSTO


Se não tiveres cuidado.
Algum cão danado.
Te há de matar.
Te há d'estraçalhar.

[ Qorpo Santo ]

segunda-feira, 7 de abril de 2008

BLACK HOLE


Não sei explicar o que houve.
Foi tipo um déjà vu, uma premonição.
Era como se eu visse o futuro e o futuro não fizesse nenhum sentido.

Eu estava vendo um buraco, um buraco negro.
E enquanto eu olhava, ele se abriu.
Me senti desabando pra frente, caindo dentro do nada.

Por um tempo, foi como flutuar num lugar totalmente negro, como o espaço.
Mas era calmo, calmo e seguro.
Até que a escuridão começou a ser tomada por outras coisas.


[ Charles Burns ]

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

THE FALL OF MOTH WOMAN


Com o sentimento cada vez mais intenso de que a vida parece boa e triste ao mesmo tempo, ela vai perdendo seu controle, enquanto suas asas batem na velocidade do som e seus olhos perseguem os rastros infinitos da luz.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

FIM DO DIA



Clarões em meio às nuvens indicam que a tempestade vai chegando.
E em cantos obscuros da sala de estar, insetos invisíveis iniciam a trilha sonora do fim.

sábado, 13 de outubro de 2007

O HORROR, O HORROR


Olhei para a figura acima. Tentei fingir que parecia uma árvore frondosa com sombras estendendo-se no gramado, mas não consegui. Parecia mais com o gato morto que um dia encontrei, as larvas gordas e reluzentes rastejando às cegas, freneticamente abrindo túneis para longe da luz. Mas até isso é evitar o verdadeiro horror.
O horror é este: no final, é simplesmente uma imagem de escuridão vazia e sem sentido.

Estamos sozinhos.
Não existe mais nada.

Vivemos a vida, sem nada melhor para fazer, depois inventamos razão. Nascemos do vazio, temos filhos, condenados ao Inferno como nós, voltamos ao vazio. Não existe mais nada. A existência é aleatória. Sem padrão, a não ser o que imaginamos depois de contemplar tudo por muito tempo. Sem sentido a não ser o que escolhemos impor.

O mundo desgovernado não é moldado por vagas forças metafísicas. Não é Deus quem mata as crianças, não é o acaso que as trucida nem é o destino quem as dá de comer aos cães.
Somos nós.
Só nós.

Estamos sozinhos.
Não existe mais nada.


[ Alan Moore ]

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

AS LINHAS DA MÃO


De uma carta jogada em cima da mesa sai uma linha que corre pela tábua de pinho e desce por uma perna. Basta olhar bem para descobrir que a linha continua pelo assoalho, sobe pela parede, entra numa lâmina que reproduz um quadro de Boucher, desenha as costas de uma mulher reclinada num divã e afinal foge do quarto pelo teto e desce pelo fio do pára-raios até a rua.

Ali é difícil seguí-la por causa do trânsito, mas prestando atenção a veremos subir pela roda do ônibus estacionado na esquina e que vai até o porto.

Lá, ela desce pela meia de nylon da passageira mais loura, entra no território hostil das alfândegas, sobe e rasteja e ziguezagueia até o cais principal, e aí (mas é difícil enxergá-la, só os ratos a seguem para subir a bordo) atinge o navio de turbinas sonoras.

Corre pelas tábuas do convés de primeira classe, passa com dificuldade a escotilha maior, e numa cabine onde um homem triste bebe conhaque e ouve o apito da partida, sobe pela costura da calça, pelo jaleco, desliza até o cotovelo, e com um derradeiro esforço se insere na palma da mão direita, que nesse instante começara a fechar-se sobre a coronha de um revólver.


[ Julio Cortázar ]

terça-feira, 14 de agosto de 2007

CENÁRIO PARA DESESPERO - O INFERNO


Pra encerrar, que seja o Inferno.

Aquela enorme casa sem portas ou janelas ardendo em chamas.
Um labirinto de sofrimento que não leva à lugar algum.
Onde o implacável vento negro circula eternamente pelos mesmos corredores. Espalhando a solidão por todos os corações perdidos.

Talvez você tenha perdido o momento mais perfeito da vida para morrer. E talvez o mapa para chegar ao paraíso tenha sido gravado por Deus na pele do leopardo.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

CENÁRIO PARA DESESPERO - O ESCURO


Que seja um quarto escuro e deserto.

Com os ponteiros do relógio se movendo cada vez mais devagar. Onde você adormece depois de horas vagando como uma alma penada em uma cidade fantasma. Suas memórias tentando encontrar a saída de um museu de tédio e desolação. Com a triste certeza de que não resta mais nada a fazer por hoje.

Talvez você tenha plantado seus sonhos no olho do furacão.
Onde a selva respira e o ódio cresce como planta.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

CENÁRIO PARA DESESPERO - A CIDADE


Que seja Santa Maria em meio a um vendaval de corações partidos.

Com o vento Norte soprando desilusões contra edifícios de concreto cinzento. Onde vivem pessoas que há muito já não sabem o que as tira da cama pela manhã. Ao levantarem, esquecem sua mente cansada no travesseiro e sua alma despedaçada no colchão.
Mortas por dentro e sem expressão no olhar, elas mergulham nas ruas rumo à solidão.

Enquanto o gafanhoto verde segue a dura tarefa de escalar a parede do prédio. Cada vez mais próximo da lâmpada repleta de mariposas hipnotizadas pela mágica da luz artificial.

Talvez todos sejam como elas em relação ao amor.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

HOW TO DISAPPEAR COMPLETELY


É tão tarde que o relógio na parede nem sabe ao certo que horas são.
Todas as luzes da cidade cometeram suicídio.
Pela janela você nota que as ruas viraram um mar de água negra.
Completamente envolto numa fria e assustadora neblina.
Um silêncio absoluto se estabelece, provocando arrepios.
Até que o som de um berrante infernal corta a noite como uma navalha.

O Navio Macabro chegou.

E navega com seu ar fantasmagórico por entre as casas e edifícios.
Em seu porão sombrio, o destino para todas as almas perdidas.